A IMAGEM DA  ARQUITETURA NA ERA DIGITAL

A imagem sempre foi um meio privilegiado de comunicação em arquitetura.

Desde a representação em desenho, do todo e das suas partes, quer como ferramenta de apoio ao pensamento, quer como comunicação de soluções formais, técnicas e construtivas – do esquiço ao desenho técnico – até à fotografia e, mais recentemente, do recurso a imagens virtuais – renders fotorrealistas –, a perceção do objeto construído, dos espaços, ambientes e modos de vida (lifestyle), é comunicado frequentemente através do recurso a elementos gráficos. Esses elementos são atualmente rápida e facilmente partilhados, graças à relação indissociável das redes sociais com a vida contemporânea.
O recurso a canais de comunicação digitais tornou-se um meio eficaz de alcance de um grande público (em 2018 a rede social Instagram atingiu a marca de 1 bilião de utilizadores mensais). A partilha de imagens à escala global é imediata, chegando a um número há poucas décadas inimaginável de visualizações – o fator tempo atingiu uma nova escala de medição.
A facilidade com que a captura e edição de imagens nos é apresentada atualmente, abriu caminho para um novo modo de exploração arquitetónica, quer como objeto em si, quer como elemento cénico da realidade: a procura de novas composições, ensaios sobre a geometria, textura e cores é imediata e intuitiva, apoiada pela simplificação do gesto: através de um simples toque na superfície digital de um smartphone, com recurso a filtros em apps e softwares de edição.
No contexto da linguagem e transmissão de conteúdo, de diálogo entre arquitetos e público sobre o trabalho criativo, virtual ou construído, a comunicação digital em rede apresenta várias e válidas vantagens, uma nova ponte de diálogo que pode – e deve – ser explorada. A presença online assume-se como essencial para os novos gabinetes de arquitetura, numa forma de gestão de identidade e comunicação com potenciais clientes. No entanto, a facilidade de criação e distribuição de imagens associadas a este fenómeno, arrasta consigo uma consequência: a fragilização, ou até vulgarização, na interpretação da arquitetura. Esta, pelas suas características formais, é permissiva à apropriação de imagem.
Pelo caráter fortemente visual do seu resultado final, a arquitetura sofre da sua própria condição: a imagem, a olhos treinados por estímulos superficialmente rápidos como a velocidade do scroll num ecrã, sobrepõe-se ao conteúdo. E se, hoje em dia é fácil a criação de imagens apelativas, a criação de espaços – físicos, reais – de qualidade, não acompanha esse grau de facilitismo.
A perceção da arquitetura, do espaço construído, quando não experienciada fisicamente, in loco, está sempre sujeita a filtros e a trabalhos de edição de imagem, que adulteram a leitura da arquitetura vivida. Este fenómeno não é recente, um exemplo clássico é a fotografia de fim de tarde da casa Kaufmann de autoria do arquiteto Richard Neutra, na qual o fotógrafo Julius Shulmann, em 1946, usou sobreposição de três imagens, tiradas sobre o mesmo negativo, para transmitir uma atmosfera que jamais seria experienciada na “vida real”.
Condicionado por fatores intrínsecos e extrínsecos à sua própria essência, o arquiteto conjuga as regras impostas, definidas por normativas, especialidades, terreno, envolvente, orientação, orçamentação, calendarização, criando da forma mais otimizada e hierarquicamente coerente a solução que responde ás necessidades dos seus habitantes (quer esse espaço seja uma habitação, um local de trabalho ou mesmo um espaço público exterior), e proporcione a melhor envolvente para abarcar as suas vivências. Tal conjugação de fatores – limitativos da liberdade criativa -, é facilmente diluída pelo seu resultado final: o património construído, fotografável, instagramável, imediatizado no momento.
Fala-se do “bonito” como um fim, quando na realidade, a beleza – subjetiva e discutível – é uma das consequências da boa arquitetura. A criação do belo pelo belo, sem conteúdo programático que o suporte, não pode ser considerado boa arquitetura. É apenas construção. A fronteira entre arquitetura observada versus a arquitetura vivida é diluída.
Porque a arquitetura, a boa arquitetura, providencia mais do que um abrigo dos elementos naturais: a boa arquitetura deixa-se apropriar pelos seus habitantes, acompanha e potencia os seus modos de vida. Esta redução da arquitetura à imagem é notória nas reportagens de arquitetura, cada vez mais frequentes, nas quais se abdica do recurso da apresentação de documentos técnicos – como me recordo das revistas de arquitetura da minha infância, nas quais passava horas a pintar sobre as plantas e a relacionar os espaços desenhados com as fotografias que acompanhavam a reportagem – e de documentação escrita são ausentes, substituídos pela fotografia apelativa, ou pela fotomontagem.
Assim, explore-se a imagem, a fotografia, a criação, a manipulação – digital ou analógica –, numa perspetiva de experimentação e investigação. Transmita-se a imagem da arquitetura, que esta seja um meio de comunicação, de expressão e de conexão. Evite-se, no entanto, a fascinação da imagem, questione-se o conteúdo para além da aparência, descarte-se o deslumbramento do aparentemente simples.

Maria Helena Faria

31-01-2019